terça-feira, 31 de março de 2020

QUINHENTISMO


Texto para a questão 01:

Senhor:
1. Posto que o Capitão-mor desta vossa frota, e assim os outros capitães escrevam a Vossa Alteza a nova do achamento desta vossa terra nova, que nesta navegação agora se achou, não deixarei também de dar minha conta disso a Vossa Alteza, o melhor que eu puder, ainda que – para o bem contar e falar – o saiba fazer pior que todos.
2. Esta terra, Senhor, me parece que da ponta que mais contra o sul vimos até outra ponta que contra o norte vem, de que nós deste porto houvemos vista, será tamanha que haverá nela bem vinte ou vinte e cinco léguas por costa. Tem, ao longo do mar, nalgumas partes, grandes barreiras, delas vermelhas, delas brancas; e a terra por cima toda chã e muito cheia de grandes arvoredos.
3. De ponta a ponta, é tudo praia-palma, muito chã e muito formosa. Pelo sertão nos pareceu, vista do mar, muito grande, porque, a estender olhos, não podíamos ver senão terra com arvoredos, que nos parecia muito longa.
4. Nela, até agora, não pudemos saber que haja ouro, nem prata, nem coisa alguma de metal ou ferro; nem lho vimos. Porém a terra em si é de muito bons ares, assim frios e temperados, como os de Entre-Doiro-e-Minho, porque neste tempo de agora os achávamos como os de lá.
5. Águas são muitas; infindas. E em tal maneira é graciosa que, querendo-a aproveitar, dar-se-á nela tudo, por bem das águas que tem.
6. Porém o melhor fruito que dela se pode tirar me parece que será salvar esta gente. E esta deve ser a principal semente que Vossa Alteza em ela deve lançar.
7. A feição deles é serem pardos, maneira de avermelhados, de bons rostos e bons narizes, bem feitos. Andam nus, sem cobertura alguma. Não fazem o menor caso de encobrir ou de mostrar suas vergonhas; e nisso têm tanta inocência como em mostrar o rosto.
8. Parece-me gente de tal inocência que, se homem os entendesse e eles a nós, seriam logo cristãos, porque eles, segundo parece, não têm nem entendem em nenhuma crença.
9. Eles não lavram, nem criam. Não há aqui boi, nem vaca, nem cabra, nem ovelha, nem galinha, nem qualquer outra alimária, que costumada seja ao viver dos homens. Nem comem senão desse inhame, que aqui há muito, e dessa semente e fruitos, que a terra e as árvores de si lançam. E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios que o não somos nós tanto, com quanto trigo e legumes comemos.
10. E nesta maneira, Senhor, dou aqui a Vossa Alteza conta do que nesta terra vi. E, se algum pouco me alonguei, Ela me perdoe, pois o desejo que tinha de tudo vos dizer, mo fez pôr assim pelo miúdo.
11. Beijo as mãos de Vossa Alteza.
12. Deste Porto Seguro, da vossa Ilha de Vera Cruz, hoje, sexta-feira, primeiro dia de maio de 1500.
CORTESÃO, Jaime. "A carta de Pero Vaz de Caminha", Rio de Janeiro: Livros de Portugal, 1943, p. 1999-241. Coleção Clássicos e Contemporâneos.

01. Evidenciando a leitura compreensiva do texto, julgue os itens a seguir, colocando V ou F:

(     ) Diferentemente de outros documentos do século XVI acerca da descoberta do Brasil, hoje esquecidos, a Carta de Pero Vaz de Caminha continua a ser lida devido à sua importância histórica e também por ter elementos da função poética da linguagem.
(      ) A carta de Pero Vaz de Caminha é considerada pela história brasileira o primeiro documento publicitário oficial do País.
(      ) A carta de Caminha é um texto essencialmente descritivo.
(      ) Pero Vaz de Caminha foi o único português a enviar notícias da descoberta do Brasil ao rei de Portugal.
(      ) Segundo Caminha, os habitantes da ilha de Vera Cruz eram desavergonhados.

A sequência correta é:
a) V, V, V, F, F.
b) V, F, V, F, F.
c) F, F, F, V, V.
d) V, V, F, F, V.
e) F, F, V, V, F.

02. Leia um fragmento de um texto publicado em 1556, em que o alemão Hans Staden descreve aspectos do Brasil para os leitores europeus.

Onde fica a terra da América ou Brasil, que vi em parte.
A América é uma terra vasta onde vivem muitas tribos de homens selvagens com diversas línguas diferentes. Também há muitos animais bizarros. Essa terra tem uma aparência amistosa, visto que as árvores fiam verdes por todo o ano, mas os tipos de madeira que lá existem não são comparáveis com os nossos. Todos os homens andam nus, pois naquela parte de terra situada entre nós, no dia de São Miguel. [...] Na terra em questão nascem e crescem, tanto nas árvores quanto na terra, frutos de que os homens e os animais se alimentam. Por causa do sol forte, os habitantes da terra têm uma cor marrom-avermelhada. Trata-se de um povo orgulhoso, muito astuto e sempre pronto a perseguir e devorar seus inimigos. A América estende-se por algumas centenas de milhas, tanto ao sul quanto ao norte. Já velejei 500 milhas ao longo da costa e estive em muitos lugares, numa parte daquela terra.
Hans Staden
Nesse texto:
I. Hans Staden chama a atenção para a dimensão das terras ("A América é uma terra vasta"). Fala sobre os nativos e seus comportamentos, os animais, a vegetação e o clima.
II. O uso de descrições tornou-se uma característica recorrente nos relatos de viagem do século XVI. Essa característica não está presente nesse texto.
III. A experiência pessoal, muito valorizada no século XVI, pode conferir veracidade ao que é relatado: quando afirma que viajou 500 milhas ao longo da costa sobre o novo mundo, por mais extraordinário que possa parecer para os europeus do século XVI.

Está(ão) correta(s):
a) Apenas I.
b) Apenas II.
c) Apenas III.
d) I e II.
e) I e III.

03. Pero Vaz de Caminha, referindo-se aos indígenas, escreveu:

         "E naquilo sempre mais me convenço que são como aves ou animais montesinhos, aos quais faz o ar melhor pena e melhor cabelo que aos mansos, porque os seus corpos são tão limpos, tão gordos e formosos, a não mais poder." [...]
        “Parece-me gente de tal inocência que, se nós entendêssemos a sua fala e eles a nossa, seriam logo cristãos, visto que não têm nem entendem crença alguma, segundo as aparências. E, portanto, se os degredados que aqui hão de ficar aprenderem bem a sua fala e eles a nossa, não duvido que eles, segundo a santa tenção de Vossa Alteza, se farão cristãos e hão de crer na nossa santa fé, à qual praza a Nosso Senhor que os traga, porque certamente esta gente é boa e de bela simplicidade. E imprimir-se-á facilmente neles todo e qualquer cunho que lhes quiserem dar, uma vez que Nosso Senhor lhes deu bons corpos e bons rostos, como a homens bons. E o fato de Ele nos haver até aqui trazido, creio que não o foi sem causa. E portanto, Vossa Alteza, que tanto deseja acrescentar à santa fé católica, deve cuidar da salvação deles. E aprazerá Deus que com pouco trabalho seja assim.” […]
        “Eles não lavram nem criam. Não há aqui boi ou vaca, cabra, ovelha ou galinha, ou qualquer outro animal que esteja acostumado ao convívio com o homem. E não comem senão deste inhame, de que aqui há muito, e dessas sementes e frutos que a terra e as árvores de si deitam. E com isto andam tais e tão rijos e tão nédios que o não somos nós tanto, com quanto trigo e legumes comemos.”

De acordo com o texto e seus conhecimentos, marque a alternativa correta:
a) Caminha, numa visão eurocentrista, exalta a cultura do "descobridor", menosprezando todos os aspectos, por exemplo, a não exploração daqueles mamíferos placentários exóticos, citados na carta, introduzidos no Brasil quando da colonização.
b) Caminha realiza, através de farta adjetivação, descrições botânicas minuciosas acerca da flora da nova terra, destacando o tipo de sais minerais - em contraposição à indígena, que é rica em lipídeos.
c) A religiosidade está presente ao longo do texto, quando se constata que o emissor, tendo em mente a conversão dos índios à "Santa fé católica" - pretensão dos europeus conquistadores - ressalta positivamente a existência de crenças animistas entre os nativos.
d) Na carta de Pero Vaz de Caminha, que apresenta linguagem formal, por ser o rei português o destinatário, há forte preocupação com aspectos da necessária conversão dos índios ao catolicismo, no contexto de crise religiosa na Europa.
e) Ao realizar concomitantemente a narração e a descrição dos hábitos dos nativos, o remetente destaca informações não só do habitat como dos usos e costumes indígenas, exaltando o cultivo das plantas de lavouras e dos pomares.


GABARITO

01. B

02. E

03. D

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